26/03/2023 às 17h46min - Atualizada em 27/03/2023 às 00h00min

Mães de autistas relatam luta em busca de diagnóstico e inclusão em Cuiabá

Preconceito, falta de acessibilidade e de acesso à educação e dificuldades para ter um diagnóstico preciso são alguns dos obstáculos diários enfrentados pelas famílias de pessoas com Transtornos de Espectro Autista (TEA) em Cuiabá.
Creuza Pereira da Silva passou quase 19 anos percorrendo médicos diversos na Capital com o filho, Gabriel Pereira Dantas, hoje com 26 anos, diagnosticado com autismo. Anos de luta, passagens por pediatras e neuropediatras, bateria de exames e diversos meses de dedicação para chegar a um diagnóstico para a filha também são relatados por Kelly Viegas, mãe de Analice, de 11 anos, que também dirige a Associação Amigos do Autista (AMA) em Cuiabá.

Os transtornos de espectro autista são um grupo de condições caracterizadas por algum grau de alteração do comportamento social, comunicação e linguagem, e por um repertório restrito, estereotipado e repetitivo de interesses e atividades. Pessoas metódicas, com dificuldade de socialização, de comunicação e com certa tendência à repetição podem apresentar o transtorno em diferentes graus e gravidades.
Creuza relembra que o filho Gabriel começou a apresentar sinais aos 9 meses de idade. Foi também nesta idade que as buscas por um diagnóstico se iniciaram. Após a passagem por diversos médicos em Cuiabá, dois diagnósticos foram dados. “O diagnóstico que nós encontramos era retardo mental. O último foi esquizofrenia” relata. Os pais de Gabriel só tiveram a confirmação do que o filho realmente tinha há sete anos.

Durante muito tempo, Gabriel não teve acesso à medicação correta. Os remédios receitados para esquizofrenia não ajudavam em nada em seu tratamento, o que apenas aumentou o sofrimento de toda a família. "Meu filho perdeu a oportunidade de estar em uma faculdade hoje, de estar trabalhando”, lamenta Creuza.

Ao recordar todo o caminho percorrido para um diagnóstico preciso para a filha, Kelly ressalta que trata-se de um processo ainda demorado na Capital, que pode levar de três a seis meses para uma confirmação total, percurso esse que, por vezes, traz muitas dificuldades aos pais. “É um caminho a percorrer bem doloroso. Eu chorei muito nesse caminho até ter o diagnóstico dela e levei quase um ano, na época”, recorda.

Ela destaca que, na escola, Analice tem dificuldades de lidar com papéis e ficar sentada o tempo todo em sala por ser hiperativa, o que se mostrou um obstáculo à sua educação, pois as unidades de ensino ainda não possuem o preparo necessário para lidar com as características de cada criança autista. Isso porque cada criança precisa de um método específico na aprendizagem. “Para a minha filha, você fazer um material adaptado, sensorial de areia, vai dar certo para ela escrever. Mas às vezes tem um outro autista que tem sensibilidade tátil e ele não vai conseguir tocar na areia”, exemplifica.

“Para a família do meu ex-marido, ela é uma sobrinha, uma neta que não existe”

Kelly salienta que o ingresso em escolas é um direito garantido por lei e que o autista deve ter acesso a uma cuidadora durante o período de aula. Segundo ela, o conceito de que pessoas autistas não conseguem aprender não basta de um mito construído com base em preconceitos. ”Eles são capazes. Basta o profissional e a família acreditarem no potencial de cada um”, afirma.

Desinformação e preconceito

Ambas as mães são enfáticas ao afirmar que a falta de informação tem sido prejudicial a pessoas com TEA há muito tempo. Elas pontuam que hoje a sociedade tem dado passos positivos na adaptação, mas ainda são curtos quando são observadas as necessidades gerais desse grupo. “Falta muita divulgação. As pessoas não têm conhecimento e, se você começa a falar, elas dizem que já sabem. Mas não sabem, não querem 'perder tempo', então precisa muito divulgar”, diz Creuza.

O preconceito ainda é uma das principais dificuldades enfrentadas por pessoas que possuem transtornos de espectro autista, que acabam se vendo excluídos da sociedade e isolados de atividades em grupo. “Para a família do meu ex-marido, ela é uma sobrinha, uma neta que não existe. Quando os parentes se reúnem, só chamam os outros que não tem deficiência nenhuma para passear ou ir em festas”, observa Kelly.

Associação

Na Capital, a Associação Amigos do Autista presta ajuda em orientações e encaminhamentos tanto para o diagnóstico quanto para o tratamento do autismo. Ela foi fundada por um grupo de pais em 2000 e hoje já possui mais de 500 associados.

A AMA ministra cursos e palestras e ajuda em diversas das lutas por direitos para pessoas com TEA, dentre eles, a entrada em escolas estaduais e o reconhecimento desses indivíduos como portadores de deficiência, abrindo assim a possibilidade para que alguns recebessem o Benefício de Prestação Continuada (BPC) através do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

A nova sede da associação está sendo finalizada e a expectativa é de que, no máximo no mês de abril, já se iniciem os atendimentos com psicólogas e psicopedagogas. Ela será localizada na Rua 35, n° 559, no bairro Santa Cruz II.

O financiamento é feito através de uma contribuição mensal por parte dos pais associados de R$ 10 ou R$ 20 por mês. Além disso, a associação também aceita doações de materiais. Para aqueles que desejam doar ou buscam atendimento, o telefone para contato é (65) 9 9675-4196. 


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